segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

China: o novo normal

MARCOS CARAMURU DE PAIVA


Ganha força o discurso de que a China caminha para crescimento mais estável e menos espetacular


Na semana passada, a China anunciou sua taxa de crescimento em 2014: 7,4%. Os mercados e as instituições internacionais assustaram-se. O primeiro-ministro Li Keqiang foi a Davos explicar que não haverá pouso forçado, mas deixou entrever que a questão do crescimento vai mudar de foco. A China buscará concentrar-se na microeconomia, nas reformas e em inovação.
Quem acompanha as decisões da poderosa Comissão para a Reforma do Estado, que aprova investimentos estatais, dá-se conta de que já há uma bateria de projetos que ajudarão a garantir o crescimento em torno de 7% em 2015. O país não aguentaria um decréscimo brusco da velocidade do crescimento. O impacto seria econômico e político.
Mas o discurso de que a China caminha para o "novo normal", ou seja, crescimento mais estável e menos espetacular que o das últimas décadas, ganha crescente força. Não está claro onde estará o ponto de equilíbrio. Os institutos de pesquisa fazem projeções para definir que metas o governo deve adotar.
Ao mesmo tempo, as cidades do oeste, que atraem agora investimentos diretos externos e estão explodindo, não buscam números conservadores. Elas vivenciam o que Xangai, Pequim, Shenzhen, Cantão já experimentaram. Chegou a sua vez. Por que crescer em marcha lenta seguindo o cenário amadurecido do leste do país?
O processo decisório sobre as reformas requer tempo. Para cada tema onde se vai inovar, primeiro se cria uma moldura de reflexão. Em seguida, as ideias são repetidas inúmeras vezes nas reuniões oficiais, na imprensa, nos foros mais variados. A tese de que o partido único pode imprimir um ritmo acelerado às decisões é falsa.
Algo está ocorrendo. A política agrícola moderniza-se; no mundo financeiro, anunciam-se novidades relevantes, como a autorização para que bancos estrangeiros tenham liberdade para operar com a moeda local; o acompanhamento do endividamento das províncias está acirrado; a tributação passa por inovações, embora uma reforma tributária de maior vulto esteja por vir.
A reforma das estatais avança sem uniformidade. Xangai anunciou que está criando um fundo de US$ 3,2 bilhões para participar do capital das suas empresas públicas. Mas, como o fundo será composto com recursos de bancos oficiais, não se pode exatamente falar de empresas menos estatizadas.
O Banco Central tem criado incentivos para que os bancos emprestem mais a pequenas empresas. E não falta "venture capital" na China, seja dinheiro público ou privado. Mas é difícil competir com as estatais. As iniciativas recentemente mais bem-sucedidas estão em setores em que as estatais não atuam, como as plataformas de internet. E as empresas médias reclamam da falta de financiamento.
Inovação será a chave do futuro. Ela terá de vir, em boa medida, do setor privado. Criar a cultura para isso não é simples num país em que os empresários priorizam o ganho rápido e dão pouca atenção a temas como eficiência e produtividade. Criar os incentivos corretos para mudar a postura empresarial é um dos desafios maiores que o governo terá que enfrentar. E mostrar resultados.
Folha, 26.01.2014.
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terça-feira, 11 de novembro de 2014

Estudo contraria previsões para a economia chinesa


Por NEIL IRWIN


Ultimamente tem havido muita discussão sobre a desaceleração da economia chinesa. Porém, deixando de lado os desafios enfrentados pelo país neste trimestre ou no próximo ano, uma coisa parece ser certa: a China é uma locomotiva econômica que movimentará a economia global pelo menos por mais uma geração.
Há anos, revistas importantes, editoriais e livros destacam o Século Chinês. Segundo previsões oficiais -de agências internacionais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico e o Banco Mundial, e de círculos da inteligência dos EUA-, a China continuará crescendo rapidamente nas duas próximas décadas e sua economia se tornará maior que a dos EUA.
Mas será que tudo isso não é um equívoco?
Muitas das previsões mais confiantes se baseiam, em maior ou menor grau, em extrapolação. Há mais de três décadas, a produção econômica per capita na China vem crescendo a uma taxa anual extraordinária de 6% a 10%, ascendendo rapidamente na direção dos níveis registrados nas nações mais ricas. Se isso continuar por duas décadas, as previsões confiantes estarão corretas.
Mas, quando se examina o longo arco histórico da economia, a conclusão é que esse desempenho seria uma aberração notável.
Esse é o argumento apresentado em um novo trabalho dos economistas Lant Pritchett e Lawrence H. Summers, da Universidade Harvard.
Em suma, o desempenho passado não prevê resultados futuros. A tendência real é a "reversão para a média". Países com longos períodos de crescimento anormal tendem a reverter seu crescimento para algo em torno de 2%, mais próximo à média global de longo prazo.
"A experiência da China de 1977 a 2010", de crescimento contínuo e superveloz por mais de 32 anos, "já se destaca como caso único, possivelmente até na história da humanidade", escrevem eles.
"Por que o crescimento fica mais lento? Principalmente porque é assim que o crescimento rápido funciona."
Entretanto, um aspecto interessante do argumento de Pritchett e Summers é a falta de detalhes sobre o que leva o crescimento à desaceleração.
Eles dizem apenas que as evidências históricas sugerem que isso é provável. Talvez as preocupações sobre níveis de endividamento e maus investimentos na China sejam justificadas. Porém, é razoável pensar que há mais probabilidade de uma mudança.
Os argumentos mais fortes de que Pritchett e Summers podem estar errados enfocam explicações sobre por que a China ainda tem potencial para continuar crescendo rapidamente durante muitos anos.
Pedi a opinião de Jim O'Neill, ex-estrategista do Goldman Sachs que popularizou o termo Bric para as grandes economias emergentes de Brasil, Rússia, Índia e China, sobre esse assunto.
"No caso da China e da Índia, a probabilidade de continuarem por um caminho mais positivo se deve ao mero processo de urbanização", escreveu O'Neill em um e-mail.
"Se e quando cada um desses países estiver quase 70% urbanizado, eu terei mais simpatia pelas descobertas desses economistas, mas ainda é preciso aguardar o que o tempo dirá." Vale observar que pouco mais da metade dos chineses e um terço dos indianos moram em cidades.
Há décadas, economistas elaboram modelos para tentar entender o que fomenta o crescimento. É um destino econômico moldado pela cultura? Pelo governo? Por padrões de industrialização? Esses debates continuam inconclusivos.
Anos de trabalho sobre a teoria do crescimento sugerem que não há uma receita secreta para um país em desenvolvimento alcançar a prosperidade.
Portanto, a abordagem simplista de reversão à média explica o crescimento econômico tão bem quanto outras abordagens mais complexas. NYT, 11.11.2014

terça-feira, 21 de outubro de 2014

'Boom' chinês deixa agricultores para trás



Por IAN JOHNSON


YANGLING, China - A agricultura nesta região foi um dos alicerces da civilização chinesa durante cerca de 4.000 anos.
Mas agora os campos de Yangling estão abandonados. Frustrados por ganharem muito pouco, os agricultores migraram para as cidades, esvaziando este distrito rural no coração da China. Ficaram para trás pessoas como Hui Zongchang, 74 anos, que cultiva trigo e milho num lote de meio hectare enquanto seu filho é trabalhador diarista na metrópole de Xian, ao leste.
Hui diz que não ganha praticamente dinheiro nenhum com a lavoura. Ele continua a trabalhar na terra como uma espécie de seguro. "Que terra meus filhos vão cultivar se eu não continuar a cuidar desta?", explicou. "Nem todo mundo dá certo na cidade."
Antes o alicerce da cultura tradicional e depois motor do "boom" econômico pós-Mao na década de 1980, hoje a agricultura virou um peso para a China.
A produção agrícola continua alta. Mas o padrão de vida dos camponeses estagnou, e poucos enxergam seu futuro como estando no campo. Cifras recentes mostram um abismo entre a renda de trabalhadores urbanos e rurais, com os urbanos ganhando três vezes mais, fato que alimenta a insatisfação e ajuda a fazer da China uma das sociedades mais desiguais do mundo.
Os líderes comunistas do país declaram que colocar o campo em ordem é crucial para a manutenção da estabilidade social. No ano passado eles anunciaram um plano de reforma econômica que tinha a política agrícola como elemento central. Mas o plano enfrenta dificuldades.
As fazendas chinesas são pequenas demais para gerar lucros significativos, tendo menos de um hectare de área, em média. Mas é difícil consolidar essas propriedades em fazendas maiores, porque os lavradores não são donos dos lotes -eles os arrendam do governo.
A privatização das terras agrícolas permitiria que as forças de mercado criassem fazendas maiores, mas correria o risco de exacerbar a desigualdade, ao concentrar a propriedade da terra nas mãos de poucos.
No final de setembro o presidente Xi Jinping endossou um experimento em curso em Yangling e outras regiões da China. A medida não privatiza a terra, mas concede aos agricultores o direito de usufruto da terra, que eles podem transferir para outras pessoas em troca de uma taxa de aluguel.
A meta é simular um mercado fundiário particular e permitir que as propriedades agrícolas chinesas familiares, que fazem uso intensivo de mão-de-obra, troquem de mãos e sejam reunidas em empreendimentos industrializados de grande escala.
Mas céticos dizem que a política de Xi revela que o governo ainda não está disposto a cogitar uma medida ousada que já funcionou bem em muitos países: dar aos agricultores a propriedade plena da terra. "A privatização da terra é uma questão crucial, mas é um tabu absoluto", comentou Tao Ran, especialista agrícola na Universidade Renmin, em Pequim. A liderança do partido "não tolera a ideia", disse ele.
Yangling criou um banco fundiário que assumiu o direito de uso da terra numa área de 90 quilômetros quadrados e depois definiu uma taxa de aluguel anual de pelo menos US$ 750 por hectare. Os agricultores podiam optar entre abrir mão de suas terras e receber o aluguel ou arrendar suas terras de volta e continuar a cultivá-las.
Mas as taxas podem gerar distorções no mercado. Elas já desencorajaram a produção de grãos, que não são vendidos com margem de lucro suficiente para compensar o custo de arrendar a terra. Segundo um morador, Li Haiwen, os grãos pagam cerca de US$ 1.250 por hectare, garantindo um lucro anual de US$ 500. "Quando mais grãos você planta, mas pobre fica", ele disse.
Em vez de grãos, ele cultiva arbustos de magnólia, usados na medicina tradicional. Mas diz que a agricultura é apenas uma atividade secundária para ele. Sua principal fonte de renda é seu trabalho de jardineiro paisagista.
"Acho que nossas cabeças estão se abrindo e estamos percebendo que existem outras maneiras de ganhar dinheiro", ele comentou.
Os planejadores governamentais esperam que mais agricultores sejam transferidos para as cidades, para que o campo seja despovoado aos poucos, dando lugar à produção agrícola em escala cada vez maior. Para pessoas que ainda querem cultivar a terra, como Zhou Yuansheng, 66, esse sistema é um exemplo de como ele não tem voz. "Ninguém me perguntou o que eu quero fazer com minha terra." NYT, 21.10.2014.
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Colaboração de Amy Qin

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Dissidência chinesa enfrenta difamação

Pequim

Os dissidentes chineses são constantemente sujeitos a assédio de toda espécie. O artista Ai Weiwei não pode sair do país para ver exposições de suas próprias obras. Hu Jia, ativista dos direitos humanos que passou mais de três anos na prisão, acusado de subverter o poder do Estado, frequentemente é colocado em prisão domiciliar. E, é claro, muitos dissidentes são presos por acusações espúrias, como aconteceu com o escritor e editor underground Tie Lu, 81, detido recentemente pela polícia.
Também eu ganhei notoriedade como vítima de outro método empregado para lidar com pessoas vistas como inimigas do Estado: uma campanha depravada de difamação on-line.
Em 21 de agosto, uma série de artigos intitulada "A Vida Passada e Presente de Murong Xuecun" apareceu no Literature City, site hospedado fora da China que afirma ser o portal número um dos chineses fora do país. Vários dos textos foram assinados por pessoas que se identificaram como "Conversa Negra", "Mr. Negativo" e "Floresta", mas a maioria não se deu ao trabalho de incluir uma assinatura.
As semelhanças de estilo entre os textos indicam que eles são obra de uma mesma equipe. Os artigos revelam patriotismo fanático e obsessão moral. Todos citam fontes que não podem ser checadas. O sinal mais evidente de que se trata de um ataque coordenado lançado por aliados do governo (ninguém pode provar que a culpa é realmente de Pequim) foi que o mesmo título -"A Vida Passada e Presente de..."- foi usado em posts para difamar outros dissidentes neste ano.
As mentiras contidas nos artigos começavam com minha infância: eu teria sido expulso de várias escolas. Já adulto, teria me tornado cliente assíduo de prostitutas. Os textos disseram em seguida que já tive vários casos extraconjugais e que minhas infidelidades me levaram a espancar minha mulher. Chegaram a dizer que conspirei para explodir o aeroporto de Pequim.
Em questão de dias, links para esses textos foram postados no Twitter, que é proibido na China, e retuitados mais de mil vezes. Os textos também foram publicados em dois sites estrangeiros influentes em língua chinesa.
No início, eu apenas ri das calúnias. Mas, quando as mentiras passaram a circular em plataformas internacionais, a coisa começou a parecer séria. Eu valorizo minha reputação, e chineses inocentes em número incontável já tiveram seu bom nome destruído desta maneira.
O aspecto mais nocivo dos posts on-line é o fato de fazerem uso de elementos verídicos, como detalhes biográficos a meu respeito, incluindo os nomes de escolas em que estudei, que são conhecidos por poucas pessoas (desconfio que os autores tiveram acesso ao arquivo pessoal que o governo tem sobre mim). Os trechinhos verídicos no meio dos textos conferem um verniz de autenticidade aos artigos.
Eu não tinha como me defender. "Prove que você não fez! Me mostre as provas!", alguém me tuitou. Mas sem saber quem são meus adversários, não há ninguém com quem debater.
A acusação de promiscuidade é uma das maneiras mais eficazes de destruir uma reputação. Ela gruda à pessoa. No final de 2009, um advogado famoso, Li Zhuang, se desentendeu com Bo Xilai, então membro do Politburo e chefe de Chongqing, e foi preso. Mais ou menos na mesma época, uma foto circulou na internet mostrando Li Zhuang, nu, sendo arrastado para dentro de uma viatura policial, com a alegação de que tinha saído com prostitutas. Mais tarde veio à tona que a foto era falsificada, mas Li Zhuang é denegrido on-line até hoje. (Menos de três anos depois disso, o próprio Bo Xilai foi preso, e suas relações com várias candidatas a atrizes ou cantoras foram reveladas na internet.)
A campanha on-line contra dissidentes chineses não é um problema que afeta apenas um grupo reduzido de pessoas. Na realidade, ela é vista como um esforço para manipular a opinião em escala global.
O Partido Comunista enxerga a natureza livre da internet como uma questão de vida ou morte. Ao mesmo tempo em que reforça o Grande Firewall para manter informações indesejáveis fora do país, fechou um número enorme de blogs e intensificou a censura. Como se isso não bastasse, o governo gastou fartamente para recrutar um número enorme de comentaristas on-line pagos -"trolls" profissionais da internet, possivelmente centenas de milhares deles- para criar ruído suficiente para interferir com a discussão on-line normal, dessa maneira promovendo os interesses do partido. Os "trolls" parecem ser independentes, mas são pagos para obedecer ordens.
Esse conjunto de comentaristas na internet -conhecido popularmente como o Partido dos 50 Centavos, porque seriam pagos 50 "fen" (cerca de US$ 0,08) por cada post- elogia e defende o PC e lança ataques pessoais contra críticos do governo.
Até pouco tempo atrás, a influência dos "50 centistas" era limitada aos comentários em sites baseados na China. Campanhas de difamação como essas são comuns em sites chineses. Um ano atrás, parece que havia poucos e isolados "trolls" atuando em sites proibidos como Facebook e Twitter, baseados no exterior. Agora os "50 centistas" estão disseminando seu veneno também fora da China. Proliferam contas falsas no Twitter que despejam o discurso partidário de Pequim.
Um artigo publicado um ano atrás no "Beijing Daily" ofereceu uma explicação da proliferação dos trolls: "A internet tornou-se um dos principais campos de batalha na guerra ideológica de hoje. Forças anti-China no Ocidente procuram tirar vantagem da internet, que pode ser manipulada para modificar o equilíbrio de poder de modo a derrotar a China. Se nós não tomarmos controle da internet, outros o farão."
No passado, declarações grandiosas dessa espécie poderiam ser recebidas com pouco caso, mas hoje, quando uma China cada vez mais ousada flexiona seus músculos no exterior, a coisa deixou de ser piada: trata-se de uma guerra, e a China a declarou. Como ficará o mundo se o governo chinês vencer?
Murong Xuecun é romancista, blogueiro e autor de "Deixe-me em Paz". Envie comentários a intelligence@nytimes.com
NYT, 14.10.2014
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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Hong Kong aumenta protesto anti-China: Após uso de bombas de gás no domingo, manifestantes pró-democracia intensificam presença nas ruas como resposta

Governo local retira polícia antimotim, mas população não atende a pedido de, em troca, se desmobilizar

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
Os protestos pró-democracia em Hong Kong ganharam mais força no início da madrugada desta terça (30) --início da tarde de segunda em Brasília--, quando milhares de ativistas seguiam ocupando as ruas da cidade.
O movimento cresceu após a repressão no domingo (28), quando a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta para dispersar manifestantes.
Em um aparente gesto de apaziguamento, o governo de Hong Kong anunciou a retirada da polícia das ruas.
Em troca, pediu aos manifestantes "que liberem as ruas ocupadas o mais rápido possível, para dar passagem aos veículos de emergência e restabelecer os serviços de transporte público". A solicitação, porém, foi ignorada.
Os ativistas controlavam três cruzamentos vitais da cidade, onde moram mais de sete milhões de pessoas.
Nesta segunda, mais de 200 linhas de ônibus foram suspensas ou desviadas, o tráfego de bondes foi afetado e várias estações de metrô permaneceram fechadas, assim como empresas e bancos.
Isso afetou a atividade daquela que é uma importante praça do mercado financeiro mundial. A Bolsa de Hong Kong fechou em baixa de 1,9% nesta segunda.
As manifestações, em curso há algumas semanas em Hong Kong, se intensificaram no último fim de semana.
Foi o episódio de violência urbana mais grave desde que o ex-território britânico foi devolvido à China em 1997.
Os ativistas exigem que Pequim suspenda sua interferência nas eleições de Hong Kong, que goza de mais direitos políticos que os habitantes da China continental, como a liberdade de expressão e de manifestação.
SUFRÁGIO
Hoje, o chefe do Executivo local é escolhido por um comitê formado por pessoas leais a Pequim. O atual chefe, Leung Chun-ying, foi eleito em 2012 com 689 votos de um total de apenas 1.200 eleitores. Em 2007, o Congresso chinês definiu que, na eleição de 2017, o líder de Hong Kong seria escolhido por sufrágio universal --uma pessoa, um voto.
Em agosto deste ano, porém, Pequim anunciou que, apesar do sufrágio universal, somente os candidatos aprovados por um comitê eleitoral terão seus nomes nas cédulas de votação. Para os ativistas, isso é inaceitável, pois os membros desse comitê serão apontados por Pequim.
Além dos estudantes, a ampliação do movimento também é resultado do trabalho da "Occupy Central", a organização pró-democracia mais importante da ilha.
A expressão Occupy Central foi bloqueada no domingo no Weibo, a versão chinesa do Twitter. O Instagram, usado pelos manifestantes para compartilhar imagens dos protestos, também sofreu censura de Pequim.
Os protestos têm recebido pouca cobertura na China, que divulga apenas as condenações do governo às manifestações. Nesta segunda, os EUA afirmaram que apoiam "o sufrágio universal e as aspirações do povo de Hong Kong", disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest. Folha, 30.09.2014
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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Multinacionais retiram filiais da China

KEITH BRADSHER - DO "NEW YORK TIMES", EM CINGAPURA 23/09/2014  02h00

A General Motors transferiu a sede de sua divisão internacional de Xangai a Cingapura no mês passado. O conglomerado de agronegócios Archer Daniels Midland está fazendo o mesmo com suas operações na região da Ásia e do Pacífico.
Outras multinacionais, como a IBM, deslocaram membros das equipes responsáveis por algumas funções, como operações de tesouro, da China para Cingapura.
"Vou passar muito tempo indo e vindo. O voo de cinco horas vai virar minha viagem mensal de ônibus", comentou Ismael Roig, presidente da Archer Daniels Midland na Ásia e Oceania.
A iniciativa reflete a evolução mundial da China, hoje o maior mercado mundial de automóveis, televisores de tela plana e dezenas de outros produtos.
A economia chinesa tornou-se tão grande e rica que cada vez mais empresas a tratam como a Europa, com relatórios indo diretamente para suas sedes em seus países de origem, não mais sendo incluídas entre os relatórios de países em desenvolvimento.
"Temos atuação grande na China, e queremos que seja assim", disse Stefan Jacoby, presidente da General Motors International.
Transferida para Cingapura em 5 de agosto, sua divisão deixou de incluir as operações da empresa na China, mas engloba as subsidiárias da GM na África, Oriente Médio, Sudeste Asiático, Austrália e Coreia do Sul.
CHARLES PERTWEE PARA THE NEW YORK TIMES
Keat Chuan Yeoh, do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Cingapura, promove oportunidades novas na Ásia
Keat Chuan Yeoh, do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Cingapura, promove oportunidades
As muitas frustrações de se fazer negócios na China exerceram alguma influência nas transferências: a poluição aérea sufocante, os regulamentos enviesados em favor de concorrentes locais e o baixo índice de proteção à propriedade intelectual.
Além disso, uma onda de nacionalismo econômico se manifesta em ações policiais de grande escala nos escritórios chineses de multinacionais dos setores automotivo, farmacêutico e tecnológico.
E as multinacionais estão voltando sua atenção ao sudeste asiático, que está dando sinais de ressurgimento, 17 anos após a crise financeira asiática.
Elas têm tido dificuldade em fazer isso a partir de Xangai ou Pequim. Estas cidades não contam com mais de um voo diário para Jacarta (Indonésia), por exemplo.
E os vínculos diplomáticos e comerciais da China com o sudeste asiático estão sendo tensionados pelas reivindicações chinesas de controle do mar do Sul da China.
Keat Chuan Yeoh, do Conselho de Desenvolvimento Econômico, organismo de promoção de investimentos em Cingapura, disse que as razões pelas quais empresas vêm transferindo suas sedes para a cidade-estado "estão ligadas às oportunidades de crescimento na Ásia e Oceania, vizinha à China".
Philipp Rösler, diretor gerente do Fórum Econômico Mundial, em Davos, disse que o fórum se surpreendeu com o número de suas empresas participantes que anunciaram nos últimos meses estar cogitando transferir suas sedes locais ou regionais para fora da China continental.
Mas até agora não houve um êxodo em massa. Muitas firmas americanas que há dez anos se apressaram a abrir escritórios em Xangai para sediar suas operações na Ásia hoje lamentam o fato, mas não querem transferir-se para fora do país e correr o risco de contrariar o governo, disse o executivo-chefe de uma empresa ocidental, pedindo anonimato.
Por enquanto, as operações que serão transferidas da China para Cingapura são pouquíssimas, comparadas às que ficam no país.
Segundo Roig, a Archer Daniels Midland formou uma equipe grande em Xangai que pode negociar aquisições de fábricas de agronegócios na China, fazer diligências e realizar auditorias. A prioridade agora, para a empresa na Ásia, é desenvolver a mesma capacidade nos mercados indonésio e vietnamita, que estão crescendo.
Cingapura fica a duas horas de avião de Jacarta e Ho Chi Minh (Vietnã). E as normas fiscais de Cingapura favorecem as operações e contratos com commodities, facilitando relativamente a resolução de disputas comerciais com empresas do resto do mundo.
As empresas estão tendo mais facilidade em persuadir gerentes de talento a mudar-se para Cingapura, onde o ar é relativamente limpo, que para Xangai.
Zhang Xin, da SOHO China, a maior construtora de edifícios comerciais de alto padrão em Pequim e Xangai, disse que ficou estarrecida quando três quintos dos adolescentes, em sua maioria europeus, e o treinador do time de futebol de seu filho em Pequim se mudaram para fora da China este ano, fato que ela atribuiu à elevada poluição do ar no país.
Chip Kimball, superintendente da Escola Americana de Cingapura, constatou a chegada de novos alunos, mas também disse que outras escolas internacionais foram abertas nos últimos cinco anos.
Contrastando com isso, "a grande dificuldade em Hong Kong no momento é o ensino", opinou May Tung, da área de serviços financeiros em Hong Kong da firma de recrutamento DHR International, sediada em Chicago.
As multinacionais também parecem hesitar em aumentar o número de seus centros de pesquisa na China, que já é grande.
O executivo-chefe para a Ásia de uma multinacional ocidental, que exigiu anonimato para falar, disse que muitas companhias "estão convencidas de que, se abrirem um centro de pesquisas e desenvolvimento na China, cada segredo técnico que possuem será copiado, cada patente será explorada de modo pouco ético". 

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Em Pequim, um dissidente tenta cooperar

INTELIGÊNCIA/MURONG XUECUN

PEQUIM

Escritores chineses como eu muitas vezes precisam fazer escolhas difíceis. O que devemos fazer quando os amigos são presos sem uma boa razão? Manter a boca fechada? Devemos protestar, sob risco de sermos arrastados para a prisão? É justo com nossas famílias e amigos nos arriscarmos a apodrecer na cadeia porque nos recusamos a calar a boca?
Depois de vários meses longe da China para uma residência acadêmica e de férias, voltei para minha casa em Pequim, em 2 de julho, preparado para ser preso. No exterior, eu havia anunciado no blog e neste jornal que iria me entregar às autoridades por ter contribuído com um ensaio para uma homenagem privada às vítimas da repressão de 1989 na praça Tiananmen. Vários dos participantes da manifestação em Pequim haviam sido presos.
Em 6 de julho, postei uma mensagem on-line dizendo que eu estava em casa e pronto para ser apanhado. Minha namorada nunca disse isso, mas eu sabia que ela estava desconfortável com a minha posição. Dois dias depois, recebi um telefonema de um policial da delegacia do Templo Wanshou, perto de onde eu vivo, me pedindo para ir "ter uma conversa". Entrei na delegacia por volta de 17h30 e fui levado ao segundo andar.
Precisei esperar os agentes da guobao, que é parte da força policial secreta da China. A guobao raramente é mencionada nos noticiários, e poucas pessoas sabem detalhes do seu orçamento e estrutura. Ela está em toda parte. Para dissidentes chineses, "guobao" significa pesadelo.
Enquanto esperava, apanhei de uma mesa um exemplar das "Leituras Selecionadas de Discursos Importantes de Xi Jinping". Um capítulo era sobre a construção de "uma China governada pela lei". Eu poderia ter sido encorajado pelas palavras do nosso presidente, se estivesse sentado em outro lugar.
Após cerca de 40 minutos, dois agentes à paisana da guobao apareceram e me levaram para uma pequena sala. Marcas de sapatos cobriam as paredes, e pontas de cigarro estavam espalhadas pelo chão. No meio da sala havia uma mesa com um computador e uma impressora. Minha cadeira estava em frente à mesa.
Um dos agentes apresentou sua identificação, e o outro me deu uma garrafa de água. Aconselharam-me a "responder de forma correta, caso contrário, haverá consequências legais".
Eles rapidamente se voltaram para a homenagem às vítimas do incidente de 1989 na Tiananmen. Por que você quis participar do evento? Quem contatou você? Quando? Onde haviam se conhecido? O que essa pessoa disse? O que você disse? O que você escreveu em seu discurso?
Eu respondi às perguntas deles com sinceridade. Não vi motivo para esconder nada. Em seguida, discutimos o próprio incidente da praça Tiananmen. Argumentei que sob nenhuma circunstância o governo deveria ter ordenado ao Exército que disparasse contra civis desarmados, muito menos colocar tanques para percorrer as ruas de Pequim.
Os agentes não concordaram nem discordaram de mim; continuaram a fazer perguntas: você sabe qual era a situação geral? Você sabe o que estava acontecendo nos assuntos internacionais, no momento? Sabe quantos soldados foram espancados ou queimados até a morte?
A conversa se voltou para a questão de se eu havia ou não violado a lei. Disse a eles que partia do princípio de que eles achavam que sim, porque prenderam meus amigos que estavam na homenagem à Tiananmen. Os policiais não gostaram de eu ter insinuado que a lei seria caprichosa. A lei não tem a ver com o que "acham", disse um deles. A polícia, disse o agente, prendeu meus amigos porque eles violaram a lei.
Em seguida, discutimos se os cidadãos "devem obedecer à lei". Eu disse que as boas leis devem ser obedecidas, mas que as leis do mal devem ser desafiadas. Eles discordavam fortemente, insistindo que a lei deve ser obedecida, seja ela boa ou má.
"E você é bacharel pela Universidade de Ciência Política e Direito da China, hein?", perguntou o mais jovem. Comecei a falar sobre o ensaio de Thoreau a respeito da desobediência civil, mas rapidamente me senti como um pedante ridículo. Qual é o sentido de falar sobre desobediência civil em uma delegacia de Pequim? Após o interrogatório, os dois entraram em uma sala adjacente para fazer um telefonema, supostamente pedindo instruções a superiores. Demorou um pouco.
Essa foi a parte mais difícil da noite: a espera por alguma força misteriosa que tomasse uma decisão sobre mim. Em algum lugar nesta cidade alguém estava prestes a decidir o meu destino, e eu não sabia nada sobre essa pessoa. Os dois oficiais pareciam estar no escuro também. Eles fizeram um segundo telefonema.
Voltaram, e um deles perguntou: "Se eu prender você hoje, você vai ser capaz de deixar de exagerar isso quando sair?" Eu lhes disse que não poderia prometer isso.
Os policiais queriam ir até a minha casa pegar o ensaio que eu tinha escrito para a homenagem à Tiananmen. Eu disse a eles que havia me oferecido para vir ao interrogatório, mas não tinha intenção de entregar os meus direitos, e que eles precisariam de um mandado de busca e apreensão. Eles finalmente concordaram em me deixar ir para casa sozinho e pegar o ensaio para eles. Mas, uma vez em casa, eu não conseguia encontrá-lo: eu o havia escrito em uma mensagem de e-mail, e a minha conta estava inacessível por causa do Grande Firewall.
Voltei para a delegacia de mãos vazias. Os policiais me deixaram ir embora depois de eu fazer uma declaração sobre o e-mail inacessível, de assinar cada página e de colocar uma impressão digital. Eu também tive de acrescentar uma declaração de que havia lido a transcrição da minha conversa com os policiais e que se tratava de um registro preciso. "Agradecemos por você ter se entregado", disse um agente, "mas a lei é a lei, e embora nós nunca deixemos nenhum meliante fora do laço, nunca trataremos pessoas boas injustamente. Entende?".
Esta foi a primeira vez que fui interrogado pela polícia. No decurso das minhas sete horas de interrogatório, os agentes da guobao nunca foram ferozes. Na verdade, eles foram educados. Com relação a isso, o governo chinês tem evoluído para parecer amigável, mas no seu âmago ainda é um regime ditatorial, que nunca vai acomodar alguém como eu, que não concorda com isso.
Enquanto eu estava sendo interrogado pela polícia, e depois da minha libertação, muitas pessoas -amigos e desconhecidos- expressaram seu apoio a mim, on-line. Alguns até prometeram se entregar à polícia também.
Essa reação diz algo sobre a China de hoje: cada vez mais pessoas já não têm medo de serem presas por falar o que pensam. Ser interrogado pela polícia tornou-se uma questão de honra.
Eu ainda vivo com medo. Visitei muitas prisões chinesas por causa de um romance que escrevi sobre o mundo jurídico. Sei que elas não são lugares agradáveis. Mas eu tenho um medo maior: viver em uma China onde gente boa seja presa, onde as pessoas tenham medo de falar o que pensam, e onde a lei tenha pouco a ver com a justiça.